Cavalera Conspiracy: confira entrevista com Iggor Cavalera

Iggor Cavalera provocou estranheza quando, ao sair do Sepultura, em 2006, resolveu investir na música eletrônica com o Mixhell – projeto que divide com a mulher, Laima Leyton. O baterista deu de ombros aos xiitas. Afinal, a iniciativa era só a materialização dos anseios artísticos e do gosto eclético responsável por moldar o estilo próprio de tocar que desenvolveu ao longo da carreira. Mas, o regozijo de seus detratores durou pouco. No mesmo ano em que deixou o grupo de metal brasileiro mais famoso do mundo, o mineiro, hoje com 43 anos, retomou os laços com o irmão, com quem não mantinha contato direto havia uma década.

O reencontro de Iggor & Max Cavalera – núcleo criador do Sepultura – foi carregado de emoções. E de música, claro. A partir dali, o peso do clima que se abatia sobre a dupla migrou para a nova empreitada musical criada por eles: o Cavalera Conspiracy. Resgatando as influências mais pesadas do antigo conjunto, o CC mostrou que a química entre os dois continuava explosiva. Foi a oportunidade perfeita para o baterista fazer quem o acusava de não ser ‘trOO’ o suficiente morder a língua.

Prestes a lançar o terceiro disco, batizado de Pandemoniun, o Cavalera Conspiracy está com nova turnê marcada pelo Brasil, para setembro. Em Porto Alegre, a apresentação rolará dia 14, no Opinião (Rua José do Patrocínio, 834). Aproveitamos o ensejo para bater um papo com Iggor, por telefone, direto de Londres. Na conversa, ele fala sobre a turnê vindoura, o trampo inédito do CC, futebol e outros assuntos.

Por Homero Pivotto Jr. – Abstratti Produtora

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O show com o Cavalera Conspiracy marca a volta da dupla Iggor & Max ao Rio Grande do Sul após 20 anos. A última vez que estiveram juntos no Estado foi em 1994, na histórica apresentação ao lado do Ramones e do Raimundos, no Gigantinho, em Porto Alegre. O que lembra daquela ocasião?

Iggor Cavalera – Pô, mano, lembro que foi legal pra caramba. A gente estava fazendo a tour inteira com o Ramones e uma das cidades onde a recepção rolou mais forte, do Brasil inteiro, acabou sendo aí. Os caras do Ramones vieram falar com a gente: “Porto Alegre é um dos lugares onde vocês têm os fãs mais loucos!”. Engraçado que, pelo lado do Ramones, era um dos locais onde eles tinham mais admiradores também. Foi quebradeira total, legal pra caramba. Uma das turnês mais divertidas que a gente fez.

Assim como o Ramones, vocês dividiram o palco e estreitaram laços com outros artistas dos quais são abertamente fãs, como Black Sabbath, Motorhead, Slayer… Na época em que o Sepultura começou, que vocês passavam perrengues lá em Belo Horizonte, imaginavam que isso aconteceria?

Iggor Cavalera – O mais interessante é que a gente não tinha nenhum plano de fazer isso. Aconteceu por conta de vários fatores: trabalhamos pra caramba, fizemos várias coisas pra chegar aonde chegamos. Muita gente acha que o Sepultura começou depois do segundo Rock in Rio, na época do Arise. Pessoal não sabe que tinha história por trás, que a gente fez muito show desde o comecinho, lá em 1984, até chegar no que virou ali pelos anos 1990. Então, acho que isso é legal. E também o lance de não ter um plano. Hoje, eu vejo moleque começar uma banda já com business plan: tem que fazer não-sei-o-que no Facebook, no twitter, tem que ter follower… Não era nada disso! A gente fazia o som – e lógico que a gente gostava pra caralho da parte de tocar – e, aí, um monte de gente ia curtindo cada vez mais, até chegar aonde chegou. Porém, não tinha essa visão de business, nem a pau.

E como foi passar de fã a ídolo de muita gente?

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Iggor Cavalera – É muito louco, né, mano! Pensa que um dia você está ali, ouvindo um vinil do Motörhead, e no outro está dividindo o palco com os caras. É bem louco! E, além disso, você está ali batalhando junto com esses artistas. Isso era o mais legal de tudo. Não era aquela coisa de “abrir o show de não-sei-quem”. A gente estava ali correndo atrás junto com todo mundo. Isso era legal: ver que todos estavam na mesma batalha de fazer um som. É muito bacana dar uma olhada no passado e ver o que a gente passou.

Você começou a ter interesse por bateria indo aos jogos do Palmeiras e interagindo com as batucadas feitas pela torcida com instrumentos de percussão, certo? Acredita que ritmo é, antes de técnica, algo mais intuitivo, que nasce com a pessoa?

Iggor Cavalera – Putz, eu acho que os dois. Um não anda sem o outro. É lógico que, quanto mais você treina, mais vai ficar com técnica apurada. Mas, não adianta só ter a técnica. Eu acho que o feeling é muito importante. Um batera que nem o John Bonhan até hoje é citado mais pelo feeling do que pela técnica. Creio que, tudo que eu passei desde molequinho, indo no estádio, vendo os caras tocar, me influenciou para o estilo próprio de tocar que acabei criando. Acho que isso vem um pouco de não querer a técnica perfeita, mas buscar algo que fosse do caralho pra banda, pra gente crescer juntos como músico. Isso é o mais legal de passar pra molecada nova. Às vezes, o cara fica muito bitolado em ser o mais rápido, tocar melhor que os outros, e não consegue tocar uma música direito com outros caras. Fica travado na hora de criar, pois acha que tudo já foi feito. É bom ter um pouco de cuidado nesse lado.

Em qual momento da carreira você percebeu que tinha desenvolvido um estilo próprio?

Iggor Cavalera – É muito louco! Além de ter essa história de você estar buscando um jeito de tocar, a gente sofria muito com a sonoridade. Os primeiros discos do Sepultura a gente sabia que estavam bons pra caramba, mas não tinha o som que queríamos. Não tinha produtor de metal no Brasil na época, os caras não sabiam produzir disco de rock. Acho que, a partir do Beneath the Remains, em 1989, comecei a ver que estava fazendo algo legal pra caralho e que tinha uma sonoridade que me permitia bater de frente com qualquer batera do mundo.

Já que tocamos no assunto futebol… O que achou da Copa no Brasil e todos os desdobramentos que vieram com ela (a derrota da seleção, manifestações, obras inacabadas, polêmicas…)?

Iggor Cavalera – Acompanhei da Europa, pois não consegui ir para o Brasil. Fiquei trampando aqui, fazendo shows com o Mixhell. Mas, vou falar que, por aqui, eu fiquei bem satisfeito com o que eu vi em termos de nação. Até a última Copa antes dessa, na África, ninguém falou nada. Mudou um pouco, no sentido positivo, de que neguinho está abrindo a boca. Antigamente não tinha essa, era todo mundo conformista achando que ia ter uma Copa no país e “que legal, foda-se!”. Foi legal ver que a população estava infeliz com o que estava acontecendo, com os abusos gerais que rolaram. Superfaturaram tudo pra fazer acontecer o Mundial e muita gente ficou puta. Isso eu acho positivo, porque passamos de um país que, até então, tinha fama de que: se futebol está bem, está tudo certo. A Europa conseguiu ver que a situação não estava boa, era ridículo o que estavam fazendo, tanto a FIFA quanto os demais envolvidos no evento. De futebol foi bom também, porque aquela seleção era muito zoada. Tinha jogador ali nada a ver, tipo o Fred. Não dá pra achar que é legal ser campeão do mundo com um cara como ele no time. Bateu uma certa felicidade de ver o time se foder. Esses aí não vão ficar pagando de rockstars 200 mil anos que nem os caras dos anos 70 ou 80, que jogavam muito. Não era merecido.

É mais ou menos aquilo que você falou sobre o cara que monta uma banda por gostar de fazer som e acaba dando certo, e o outro que entra na música pela fama.

Iggor Cavalera – É, meu! Por esse lado, eu fiquei superfeliz de ver o Brasil tomar no cu. Até queria que o time ganhasse, mas aqueles jogadores davam dó.

Voltando à música… Em 1996, o Sepultura, digamos, implodiu: Max foi para um lado tocar a vida profissional e você seguiu com o restante da formação por mais 10 anos. Como foi esse período sem o seu irmão na banda, já que vocês sempre pareceram ter uma afinidade muito forte?

Iggor Cavalera – Foi supercomplicado, porque, querendo ou não, tinha todo esse lado que a gente está falando de que eu e ele começamos a parada juntos. Tem horas que – quem tem irmão vai entender – um não fala a língua do outro, as ideias não batem. E acaba acontecendo o que aconteceu com a gente. É triste, mas realidade. O mais legal é que, depois de tudo isso, a gente ainda teve força pra voltar e começar algo novo que é o Cavalera Conspiracy. A vida é muito curta, a gente poderia nunca mais ter tocado, ou um dos dois ter morrido. Fico feliz que a gente conseguiu se recuperar e voltar a tocar junto. É aquela coisa de moleque, de curtir o som mesmo. Eu tenho isso com meu irmão até hoje: a gente troca uns iPods cheio de músicas dentro, coisa que a gente fazia desde os 14 anos. A gente ainda é fã de música, curte muito a hora que está no palco, troca ideia sobre som. Não tem essa de uma hora pra outra viramos rockstars e só falamos de negócios. A gente continua dois moleques que piram na música. Pra mim é gratificante de tocar com ele.

Max tem dito em entrevistas que, para o novo disco do CC, ele ficou enchendo seu saco para você deixar o groove de lado e mandar brasa nas batidas mais retas e velozes. Como foi isso? Achou mais fácil ou mais complicado tocar dessa maneira?

Iggor Cavalera – É muito louco, porque quando eu e o Max começamos a tocar as demos dos três discos do Cavalera, senti onde ele queria chegar. O lance do Pandemoniun foi que chegou uma hora em que a gente viu que a direção do disco era essa: a bateria tinha de ser uma coisa muito minimalista. Isso de tocar sem muitas viradas, sem coisas que eu gosto de fazer, é um puta desafio. Foi legal pra caralho pensar “como que eu consigo tocar esse som sem firula nenhuma? É no peito isso aqui, tá ligado!”. Quando ouço o disco hoje, consigo perceber que foi a ideia certa que eu e ele tivemos no estúdio. É difícil falar sem estar ouvindo o disco, mas, quando o álbum sair, as pessoas entenderão melhor.

Esse registro deve ser realmente mais brutal, puxando para o grind e/ou death?

Iggor Cavalera – É difícil, não sei. Tem influência, mas não sei se vai ser um disco de grindcore. O disco está pesado, bem mais agressivo do que os dois primeiros.

Vi um show do Mixhell alguns anos atrás e achei bem bacana. O fato de você tocar bateria, além de ser responsável por trechos das partes eletrônicas, dá um ar mais orgânico do que se costuma ver em outros artistas do gênero. Como anda o projeto?

Iggor Cavalera – Eu sempre busquei umas ideias novas, de beat e de bateria. E com o Mixhell não é diferente. A ideia é tentar fazer alguma coisa dentro de música eletrônica, que tenha uma puta pegada, que tenha aquela energia forte que vem mais do lado rock e metal. Mas, ao mesmo tempo, não querer fazer um metal eletrônico. Não é minha ideia. Esse era o desafio do projeto: fazer um som com pegada, sem virar uma coisa caricata do tipo ”agora eu toco metal eletrônico”. O motivo de eu estar morando em Londres é por isso, pois aqui tem um mercado gigantesco, onde a gente consegue fazer muito mais show com o Mixhell, trabalhar com gente diferente. No Brasil é um pouco mais complicado.

O ecletismo parece ser uma característica sua: há vídeos nos quais você indica ou usa camisas de gente dos mais variados estilos (Clutch, LL Cool J, Possessed, Godflesh, Agnostic Front…). Isso foi peça chave ao desenvolver seu estilo de tocar? Ainda costuma ouvir de tudo?

Iggor Cavalera – É o único jeito que eu consigo ouvir música. É até meio esquizofrênico, e sempre foi. Eu e o Max éramos assim com o Sepultura. A gente não conseguia ficar separando tudo bonitinho: isso é punk, isso é hardcore. A gente achava legal e ia ouvindo. Lembro quando saiu o Beastie Boys com solo do Kerry King, do Slayer, pensamos: “muito foda!”. Os moleques não acreditavam como a gente podia gostar daquilo. Pra moldar tanto a parte de música, quanto geral, tem de ter uma cabeça mais aberta. E quanto mais idade você tem, mais vai abrindo a cabeça. E não precisa gostar de tudo, porque tem muita bosta, muita música ruim. O lance é sempre procurar coisas que você acha interessante, seja rock, hip hop, industrial, eletrônico ou o que for. Isso é superimportante.

Além do Mixhell e do CC, está envolvido com alguma outra empreitada musical?

Iggor Cavalera – Tem muita ideia. Eu estou querendo fazer algumas coisas novas, de tocar com convidados e fazer uns outros projetos, mas não tem nada na mão ainda. Acho que nessa parte meu irmão está mais adiantado.

A nova passagem do Cavalera Conspiracy pelo Brasil deve ter, além de faixas próprias e do Sepultura, alguma releitura (Nailbomb, Sabbath ou Dead Kennedys?)

Iggor Cavalera – Legal desses shows –que a gente nem esperava –, é que o disco ainda não vai ter saído. Então, vamos conseguir mostrar em primeira mão para o Brasil umas coisas novas ao vivo. Isso vai ser do caralho! Normalmente acontece de a banda chegar no país no fim da tour, quando já não aguenta mais tocar. E a gente vai começar por aí. Vai ter meio que uma zona geral de coisas que eu e o Max fizemos juntos, desde Nailbomb até Sepultura, e bastante coisa do CC. Sobre os covers, a gente deixa as coisas abertas. Às vezes, alguém da banda fica até meio perdido, porque eu e o Max nos olhamos e falamos: “vamos fazer tal coisa”. E o resto dos caras nem sempre estão ligados. Rola meio no susto, de o meu irmão falar pros caras: “senta aí com o iPod e fica tocando tal coisa que pode pintar no show”.

Autor: Homero Pivotto Jr.

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